Na minha infância eu comia calango vivo
Comia calango seco, comia calango lá
Era buchudo que nem baiacu virado
Meu joelho era inchado de eu tanto caminhar
Mas no que a fome me batia era cegueira
Eu saía a fazer poeira
Pra caçar calango lá

Bicho ligeiro anda virado na cachorra
Corre mais do que uma porra
Era impossível de alcançar
Era preciso um bocado de inteligência
As armadilha e a paciência
Pra mode a gente almoçar

Matava o bicho com uma pedrada na cabeça
E pendurava ele na cerca
Pra carne poder secar
E a carne seca eu comia com macaxeira

E espantava a mosca bicheira
Que queria o meu jantar
Mas êita que é agora que eu me espalho
Que plantaram um fast food
Bem no meio do sertão
Larguei a calangada do balaio
E me juntei a fila armada
Pra fazer a refeição


Big calango com alface, queijo, pão com gergelim
Suco de xiquexique e eu sem capital
Pois é que agora nem caçar a gente pode
Porque foi privatizado pela multinacional

Acontece que o gerente do franxaize
Que contrata funcionário
Ouviu falar do meu nôrrau

E hoje eu ando caçando calango tanto
De freelance pago um lanche com o salário semanal
Deus me dê grana pra eu poder casar com Ana

Me dê poupança pra eu comprá-lhe as alianças
Sucesso pra eu me adaptar ao progresso
Caçando calango tanto, caçando calango lá

Composição: Mauricio Baia / Tonho Gebara