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Aquarela do Brasil: conheça a história do clássico de Ary Barroso

Analisando letras · Por Renata Arruda

3 de Julho de 2020, às 19:00

Lançada em 1939, Aquarela do Brasil é uma das músicas brasileiras mais populares de todos os tempos. Composta por Ary Barroso, a canção foi gravada pela primeira vez por Francisco Alves e deu origem ao chamado samba-exaltação, vertente extremamente nacionalista do samba.

Ary Barroso
Ary Barroso / Créditos: Divulgação

Embora o ufanismo da letra tenha sido alvo de críticas, tudo o que Ary Barroso queria era criar um samba que demonstrasse seu amor pela cultura brasileira. E, assim como outros grandes compositores brasileiros, sua obra atravessou décadas e se tornou inesquecível.

Vem saber mais sobre essa história em nossa análise da música Aquarela do Brasil!

Análise da música Aquarela do Brasil

Aquarela do Brasil, que inicialmente recebeu o nome de Aquarela Brasileira, foi composta pelo mineiro Ary Barroso no final dos anos 30, durante a Era Vargas.

A música é considerada a fundadora do samba-exaltação, subgênero no qual os compositores procuram exaltar a pátria e os símbolos da cultura nacional.

Brasil, meu Brasil brasileiro
Meu mulato inzoneiro
Vou cantar-te nos meus versos
O Brasil, samba que dá
Bamboleio, que faz gingar
O Brasil do meu amor
Terra de Nosso Senhor
Brasil! Brasil! Pra mim! Pra mim!

Isso gerou críticas tanto ao compositor quanto à canção em si, uma vez que o nacionalismo presente na letra foi encarado como uma forma de apoio à ditadura de Getúlio Vargas.

No entanto, Ary Barroso estava longe de ser um apoiador de Vargas. Vale lembrar que Aquarela do Brasil chegou a ser alvo de censura, vetando o verso Terra de samba e pandeiro por considerá-lo depreciativo ao Brasil.

Getúlio Vargas
Getúlio Vargas / Créditos: Divulgação

O compositor precisou comparecer ao Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) para conseguir que o verso fosse mantido.

Ô, abre a cortina do passado
Tira a mãe preta do cerrado
Bota o rei congo no congado
Brasil! Brasil!

Deixa cantar de novo o trovador
À merencória luz da lua
Toda canção do seu amor
Quero ver essa Dona caminhando
Pelos salões, arrastando
O seu vestido rendado
Brasil! Brasil! Prá mim! Prá mim!

Um detalhe interessante na letra de Barroso, presente nos trechos acima, é a forma como o autor exalta a população negra brasileira.

A mãe preta, por exemplo, era a mulher escravizada que servia como ama-de-leite dos filhos dos senhores e que vivia no cerrado junto aos outros escravizados. Conta-se que, em Minas Gerais, cerrado era o nome dado ao cativeiro onde as pessoas negras eram mantidas nas fazendas.

Amas de leite
Amas de leite / Créditos: Divulgação

Além disso, ele menciona ainda o congado, um tipo de festa organizada pelos congoleses trazidos ao Brasil, que reconstituía a cerimônia de coroação do Rei do Congo.

Assim, ao dizer abre a cortina do passado, o letrista pede para que o Brasil assuma o seu passado sombrio, propondo uma conciliação entre as elites e as classes populares, a quem ele procura reconhecer o devido valor.

Brasil, terra boa e gostosa
Da morena sestrosa
De olhar indiscreto

O Brasil, samba que dá
Para o mundo admirar
O Brasil do meu amor
Terra de Nosso Senhor
Brasil! Brasil! Prá mim! Prá mim!

É possível dizer que a composição de Barroso é ingênua. Enquanto o país passava pelos horrores promovidos pela ditadura Vargas, que censurava, perseguia e torturava opositores, a canção pintava um Brasil idealizado, repleto de belezas e alegrias.

Era Vargas
Protesto contra a Ditadura de Vargas / Créditos: Divulgação

Há quem interprete a canção como a manifestação de um desejo do autor. Ao dizer Brasil! Prá mim!, ele estaria expressando o quanto aquele era o Brasil onde gostaria de viver, em contraste àquele onde realmente estava vivendo.

Seria uma forma de mostrar que o país, seu povo e sua cultura são obra de Nosso Senhor, ou seja, maiores do que qualquer governo que estivesse no poder.

Esse coqueiro que dá coco
Onde eu amarro a minha rede
Nas noites claras de luar
Ô! Estas fontes murmurantes
Onde eu mato a minha sede
E onde a lua vem brincar

Ô! Esse Brasil lindo e trigueiro
É o meu Brasil brasileiro
Terra de samba e pandeiro
Brasil! Brasil!

Além do nacionalismo exacerbado, a letra também sofreu críticas pelo seu vocabulário. Palavras pouco comuns como inzoneiro (sonso), merencória (melancólica), sestrosa (sensual) e trigueiro (moreno) tornaram difícil a compreensão de uma música que se pretendia popular.

A redundância, presente em versos como esse coqueiro que dá coco, foi encarada como um exemplo de má composição. Barroso se defendeu dizendo que a intenção era conferir um efeito poético à letra.

Talvez por isso a canção não tenha conseguido se classificar no concurso de sambas carnavalescos em 1940 e só posteriormente tenha alcançado o sucesso.

A composição de Aquarela do Brasil

A história da composição de Aquarela do Brasil é curiosa. A música surgiu quase como obra do destino: em uma determinada noite, Ary Barroso não conseguiu sair para ir ao trabalho devido a uma forte tempestade.

Ary Barroso
Ary Barroso e o piano em que compôs Aquarela do Brasil / Créditos: Divulgação

Obrigado a ficar em casa, o músico sentou-se ao piano, na companhia de sua esposa e de seu cunhado, e compôs a canção de uma só vez. Ele explicou a sua inspiração:

Senti, então, iluminar-me uma ideia: a de libertar o samba das tragédias da vida, do sensualismo das paixões incompreendidas, do cenário sensual já tão explorado. Fui sentindo toda a grandeza, o valor, a opulência da nossa terra, gigante pela própria natureza.

E assim nasceu a canção que é considerada por muita gente como o segundo hino nacional do Brasil.

Popularidade que ultrapassou fronteiras

Como adiantamos, a música não fez sucesso imediato por aqui. Isso só aconteceu depois que Walt Disney incluiu a canção no filme Alô Amigos!, de 1942.

Ary Barroso e Walt Disney
Ary Barroso e Walt Disney / Créditos: Divulgação

Na animação, o Pato Donald faz uma viagem pela América Latina e acaba passando pelo Brasil, onde é recebido pelo Zé Carioca com muita cachaça e ao som de Aquarela do Brasil.

Fez tanto sucesso que a canção explodiu dentro e fora do país, sendo a primeira música brasileira a atingir mais de um milhão de execuções nas rádios dos Estados Unidos.

O reconhecimento levou a música a receber uma versão em inglês. Escrita por Bob Russell, a versão americana ganhou o título de Brazil e foi gravada por ninguém menos que Frank Sinatra. 

No Brasil, quem primeiro gravou o samba foi Francisco Alves, parceiro musical de Ary Barroso. Mas após o sucesso, a música ganhou inúmeras versões, interpretadas por artistas de peso como Carmen Miranda, Tom Jobim, Gal Costa, João Gilberto, Caetano Veloso, entre outros.

Uma das mais arrepiantes é a que foi gravada por Elis Regina, na qual a cantora é acompanhada por um coral reproduzindo cantos indígenas. O registro faz parte do especial Elis Regina Carvalho Costa, de 1980.

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