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#VidasNegrasImportam: uma análise de Formation, da Beyoncé

Analisando letras · Por Renata Arruda

4 de Junho de 2020, às 19:00

Lançado em 2016, o álbum visual Lemonade pode ser considerado como um marco na carreira de Beyoncé.

Pela primeira vez, a cantora abordou de maneira mais firme e direta questões raciais importantes como a desigualdade, a ancestralidade e o orgulho negro.

Beyoncé
Créditos: Divulgação

A canção escolhida como o primeiro single foi Formation, em que tanto a letra quanto o videoclipe retratam a cultura e o empoderamento negro, ao mesmo tempo em que chamam a atenção para o descaso e para as agressões sofridas pela comunidade afro-americana.

Em um momento em que é importante se posicionar contra o racismo e contra a injustiça e a discriminação racial, reforçando que as vidas negras importam, trazemos uma análise de Formation, da Beyoncé, para entendermos tudo que está por trás da canção. Vamos lá?

Análise de Formation, da Beyoncé

Formation é considerada como um hino Black Power, em que Beyoncé joga luz sobre o movimento Black Lives Matter (em português, Vidas Negras Importam).

Para além da letra, o clipe é incrível, Beyoncé e todos os protagonistas são hipnotizantes. As danças, os figurinos, os penteados, as locações, tudo se encaixa perfeitamente. Vale muito a pena conferir:

Coincidência ou não, a música foi lançada um dia após o aniversário de Trayvon Martin e um dia antes ao que seria o de Sandra Bland, duas pessoas negras assassinadas pela polícia cujas mortes são consideradas como centrais para o movimento.

Além disso, a canção também é uma forma da cantora homenagear suas raízes, rebatendo algumas críticas racistas e machistas que vinha recebendo. Confira a análise detalhada da letra:

[Messy Mya]
What happened at the New Orleans? (O que aconteceu na Nova Orleans?)
Bitch, I’m back by popular demand (Vadia, estou de volta porque o povo pediu)

No videoclipe, Beyoncé aparece em cima de um carro da polícia de Nova Orleans, submerso em uma enchente. É uma clara referência à devastação da região após a passagem do furacão Katrina, em 2005, e ao descaso das autoridades com a população, majoritariamente negra.

A música começa com duas frases ditas pelo artista Messy Mya, rapper e comediante de Nova Orleans que criticava a violência policial na região. Ele foi assassinado a tiros em 2010, em circunstâncias até hoje não esclarecidas.

[Beyoncé]
Y’all haters corny with that Illuminati mess (Todos vocês invejosos se moendo com esse papo Illuminati)
Paparazzi, catch my fly and my cocky fresh (Paparazzi fotografam meu estilo e minha arrogância)
I’m so reckless when I rock my Givenchy dress (stylin’!) (Sou tão ousada quando arraso no meu vestido Givenchy (estilo))
I’m so possessive so I rock his Roc necklaces (Sou tão possessiva que uso os colares da Roc do meu marido)
My daddy Alabama, momma Louisiana (Meu pai é do Alabama, minha mãe da Louisiana)
You mix that negro with that Creole, make a Texas bama (Você mistura esse negro com aquela crioula e faz uma garota rebelde do Texas)

Nessa estrofe, Beyoncé começa se posicionando a partir da sua imagem pública: como uma mulher poderosa, que inclusive assume ser possessiva com seu marido, Jay Z.

Jay Z e Beyoncé no Museu do Louvre
Jay Z e Beyoncé no Museu do Louvre, em Paris / Créditos: Divulgação

É interessante perceber que quando fala em usar os colares da Roc, ou seja, da Roc Nation, a gravadora do rapper, ela também está assumindo uma posição de controle em relação ao império do seu marido.

Aqui a cantora também manda um recado para críticos que tentam diminuir suas conquistas com teorias da conspiração (esse papo Illuminati) e a mídia de celebridades, obcecada com sua imagem.

I like my baby heir with baby hair and afros (Eu gosto do cabelo da pequena herdeira, com o cabelo de bebê e afro)
I like my negro nose with Jackson Five nostrils (Eu gosto do meu nariz de negro com as narinas do Jackson Five)
Earned all this money, but they never take the country out me (Ganhei todo esse dinheiro mas eles nunca vão tirar minha terra de mim)
I got hot sauce in my bag, swag (Eu tenho molho de pimenta na minha bolsa, estilo)

Demonstrando orgulho de suas raízes negras, Beyoncé celebra os traços que costumam ser considerados como feios e indesejáveis na cultura ocidental, que valoriza características brancas e européias.

Assim, ela exalta o seu nariz largo, fazendo uma referência ao grupo Jackson Five, no qual Michael Jackson começou a sua carreira. Ou seja, em uma época anterior ao embranquecimento do cantor.

Jackson 5
Jackson 5 / Créditos: Divulgação

A mensagem transmitida pela cantora é a de que ela não irá renegar sua negritude por conta da fama ou dinheiro.

[(Messy Mya) & Big Freedia]
(Ohh, yeah, baby, oh, yeah, I, ohhh, oh, yes, I like that) ((Ohh, yeah, querido, oh sim, eu, oh, ohhh sim, eu gosto disso))
I did not come to play with you hoes (Eu não vim para brincar com vocês, piranhas)
I came to slay, bitch (Eu vim para arrasar, vadia)
I like cornbreads and collard greens, bitch (Eu gosto de pão de milho e couve, vadia)
Oh, yes, you besta believe it (Oh sim, é melhor você acreditar)

É possível entender esse trecho como uma homenagem à cultura da cidade, uma das mais negras dos Estados Unidos, e também como uma declaração de empoderamento: sim, essas são as minhas raízes, eu tenho orgulho disso e não estou aqui pra brincadeira.

Beyoncé e parte do elenco do clipe de Formation
Beyoncé e parte do elenco do clipe de Formation / Créditos: Divulgação

Mais uma vez, Beyoncé utiliza um sample (ou seja, um trecho da batida ou da melodia de outra música como base para criar uma nova) na canção: além de Messy Mya, também ouvimos a voz de Big Freedia, artista queer de Nova Orleans.

[Beyoncé]
Y’all haters corny with that Illuminati mess (Todos vocês invejosos se moendo com esse papo Illuminati)
Paparazzi, catch my fly and my cocky fresh (Paparazzi fotografam meu estilo e minha arrogância)
I’m so reckless when I rock my Givenchy dress (stylin’!) (Sou tão ousada quando arraso no meu vestido Givenchy (estilo))
I’m so possessive so I rock his Roc necklaces (Sou tão possessiva que uso os colares da Roc do meu marido)
My daddy Alabama, momma Louisiana (Meu pai é do Alabama, minha mãe da Louisiana)
You mix that negro with that Creole, make a Texas bama (Você mistura esse negro com aquela crioula e faz uma garota rebelde do Texas)

Vale mencionar que, nos dois versos finais dessa estrofe, Beyoncé não fala de suas origens à toa. Nascida em Houston, no Texas, a cantora conta que seus pais são do Alabama e da Louisiana, estados que ainda sofrem os resquícios de um forte passado escravocrata.

Beyoncé no clipe de Formation
Beyoncé em take do clipe de Formation / Créditos: Divulgação

I like my baby heir with baby hair and afros (Eu gosto do cabelo da pequena herdeira, com o cabelo de bebê e afro)
I like my negro nose with Jackson Five nostrils (Eu gosto do meu nariz de negro com as narinas do Jackson Five)
Earned all this money, but they never take the country out me (Ganhei todo esse dinheiro mas eles nunca vão tirar minha terra de mim)
I got hot sauce in my bag, swag (Eu tenho molho de pimenta na minha bolsa, estilo)

Em sua exaltação da negritude, Beyoncé rebate críticas feitas ao cabelo de sua filha, Blue Ivy Carter. Para quem não sabe, em 2014, algumas pessoas criaram uma petição para que a cantora e seu marido “penteassem” o cabelo da menina. 

Beyoncé e Blue Ivy, sua filha mais velha
Beyoncé e Blue Ivy, sua filha mais velha / Créditos: Divulgação

Isso porque, para muita gente apegada a pontos de vista racistas, o cabelo crespo natural é considerado desarrumado e feio. Aqui, Beyoncé diz que não: não há nada de errado com os penteados afro.

I see it, I want it (Eu vejo, eu quero)
I stunt, yellow bone it (Dou close, yeah, negra considerada branca)
I dream it, I work hard (Eu sonho, eu trabalho duro)
I grind ‘till I own it (Eu me esforço até conseguir)
I twirl on them haters (Acabo com meus inimigos)
Albino alligators (Jacarés albinos)
El Camino with the seat low (El Camino com o banco baixo)
Sippin’ Cuervo with no chaser (Bebendo Cuervo sem ser perseguida)

Nesse trecho, Beyoncé faz uma referência direta ao fato de ter a pele clara (negra considerada branca).

Dentro da lógica do colorismo, ou seja, a discriminação baseada na cor da pele, negros de pele clara possuem a chama “passabilidade branca”. Isso significa que, comparado aos irmãos de pele escura, essas pessoas sofrem menos preconceito racial.

Assim, por possuir a pele clara, muitas vezes Beyoncé não era considerada como uma pessoa negra. Isso chegou até a virar piada no programa Saturday Night Live, em um quadro no qual brancos conservadores se desesperavam ao descobrir que a cantora era negra, após ouvir Formation. Confira:

Ao falar sobre os jacarés albinos, ela está fazendo uma referência ao filme Ciladas da Sorte, no qual “jacaré albino” significa uma estratégia de sacrificar o membro mais frágil do grupo para que os outros possam se salvar.

Dessa forma, Beyoncé mostra estar ciente de seu privilégio e assume a sua posição na linha de frente, enfrentando os haters para fazer a pauta avançar.

Sometimes I go off, I go hard (Às vezes dou um tempo, vou com tudo)
Get what’s mine (take what’s mine), I’m a star (Consigo o que é meu (pego o que é meu), sou uma estrela)
‘Cause I slay, I slay (Porque eu arraso, eu arraso)
All day, I slay (O dia todo, eu arraso)
We gon’ slay, gon’ slay (Nós vamos arrasar, vamos arrasar)
We slay, I slay (Nós arrasamos, eu arraso)

Slay é uma gíria utilizada pela comunidade negra e gay dos Estados Unidos que significa “arrasar”, no sentido de demonstrar sucesso e realização.

Assim, Beyoncé faz um aceno também para as pessoas negras LGBTQIs em sua exaltação da força e do empoderamento negro.

Okay, ladies, now let’s get in formation (‘cause I slay) (Okay, senhoras, agora vamos entrar em formação (porque eu arraso))
Prove to me you got some coordination (‘cause I slay) (Me prove que você tem alguma coordenação (porque eu arraso))
Slay trick or you get eliminated (I slay) (Arrase direito ou vai ser eliminada (eu arraso))

Os versos mais famosos da canção tratam diretamente da causa do feminismo negro. A “formação” significa a união das mulheres negras contra o patriarcado, demonstrando que juntas elas são mais fortes.

When he fuck me good, I take his ass to Red Lobster (‘cause I slay) (Quando ele me fode bem, eu o levo ao Red Lobster (porque eu arraso))
If he hit it right, I might take him on a flight on my chopper (I slay) (Se ele faz direito, talvez eu o leve em um vôo no meu helicóptero (eu arraso))
Drop him off at the mall, let him buy some J’s, let him shop up (‘cause I slay) (Largo ele no shopping, deixo ele comprar alguns Jordans, fazer compras (porque eu arraso))

Aqui, a cantora inverte a lógica machista presente em muitas canções de rap e demonstra todo o seu poder dizendo que se for bem tratada pelo seu homem, ele poderá ser recompensado com alguns mimos.

I might get your song played on the radio station (‘cause I slay) (Talvez eu faça sua música tocar na rádio (porque eu arraso))
You just might be a black Bill Gates in the making (‘cause I slay) (Você pode ser o próximo Bill Gates negro (porque eu arraso))
I just might be a black Bill Gates in the making (ha!) (Eu posso ser o próximo Bill Gates negro (ha!))

Continuando a sua demonstração de poder em relação a muitos homens, Beyoncé mostra que não deve nada a ninguém: ela própria já é uma espécie de Bill Gates negra na indústria musical.

Beyoncé
Créditos: Divulgação

Okay, ladies, now let’s get in formation (Okay, senhoras, agora vamos entrar em formação)
You know you that bitch when you cause all this conversation (Você sabe que é foda quando causa todo esse burburinho)
Always stay gracious, best revenge is your paper (Seja sempre graciosa, melhor vingança é o seu dinheiro)

Em um universo dominado por homens, principalmente os brancos, ser uma mulher negra influente e poderosa pode causar incômodo em muita gente.

Assim, Beyoncé declara que se manter fiel a si mesma e unida ao lado das suas é o que a fez chegar no topo e avisa: a melhor vingança a toda essa invisibilidade e silenciamento que pessoas negras sofrem é o dinheiro que você ganha no final.

Girl, I hear some thunder (Garota, eu ouço um trovão)
Golly, look at that water, boy! Oh, Lord! (Céus, olha é quanta água, menino! Oh, Senhor!)

Finalizando a canção de forma ambígua, os versos acima podem tanto estar relacionados às enchentes que destroem vidas e sonhos de pessoas negras, como também ser uma metáfora para a polêmica que artistas como Beyoncé causam.

Beyoncé
Créditos: Divulgação

Em outro ponto de vista, pode ser também o prenúncio de uma revolução.

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