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Análise da música O Tempo Não Pára, obra-prima de Cazuza

Analisando letras · Por Renata Arruda

22 de Janeiro de 2020, às 06:30

Quando se fala nas principais músicas nacionais dos anos 80, é impossível não se lembrar da obra de Cazuza.

Em sua breve carreira, o cantor e compositor carioca foi responsável por grandes hits que marcaram toda uma geração.

Cazuza o tempo não pára
Créditos: Divulgação

O Tempo Não Pára, parceria entre Cazuza e Arnaldo Brandão, é um dos maiores sucessos do artista.

Abordando, ao mesmo tempo, sua batalha pessoal contra a AIDS e a situação política do país, a faixa de 1988 é uma obra-prima que permanece atual.

Confira a nossa análise da música O Tempo Não Pára e saiba um pouco mais sobre esse hino!

Análise da música O Tempo Não Pára

Uma das últimas músicas escritas e lançadas por Cazuza, O Tempo Não Pára foi gravada ao vivo durante um show no Rio de Janeiro e integra o álbum de mesmo nome.

Vamos ver o que cada estrofe significa?

Disparo contra o Sol
Sou forte, sou por acaso
Minha metralhadora cheia de mágoas
Eu sou um cara

A música começa com um desabafo de revolta e impotência.

Consciente de ter contraído um vírus fatal, para o qual não havia tratamento eficaz na época, Cazuza admite carregar uma metralhadora cheia de mágoas, com a qual faz disparos contra o sol: ou seja, por mais raiva que sinta, é inútil se rebelar.

Cazuza
Créditos: Divulgação

Ele ainda reconhece que, embora seja forte, é alguém por acaso, uma pessoa vulnerável a sofrer fatalidades como qualquer outra.

Cansado de correr
Na direção contrária
Sem pódio de chegada ou beijo de namorada
Eu sou mais um cara

O autor se descreve como mais um cara: um sujeito banal, que está esgotado de lutar tanto contra algo que não está trazendo nenhum resultado.

Neste caso, é possível relacionar esta estrofe tanto ás inúmeras internações do cantor e viagens para os Estados Unidos na esperança de encontrar uma cura para a AIDS, quanto a um sentimento de desgaste do cidadão comum brasileiro, cansado de correr contra a corrente e não alcançar vitória alguma.

Mas, se você achar
Que eu tô derrotado
Saiba que ainda estão rolando os dados
Porque o tempo, o tempo não para

Nessa estrofe, Cazuza dá uma alfinetada na imprensa, que publicava matérias sensacionalistas sobre o seu estado de saúde, dando o cantor como praticamente morto.

Ao dizer que ainda estão rolando os dados, ele afirma que não há como prever o futuro e que acredita em uma chance de cura.

Manchete sobre Cazuza
Manchete da revista Veja sobre Cazuza em 1989 / Créditos: Divulgação

Além disso, de acordo com a mãe do cantor, Lucinha Araújo, esses versos também falam sobre o contexto político do Brasil na época, que enfrentava os anos Sarney pós ditadura.

Para Cazuza, ainda havia a esperança de um país melhor, mas só o tempo iria dizer.

Dias sim, dias não
Eu vou sobrevivendo sem um arranhão
Da caridade de quem me detesta

Aqui há mais uma alfinetada de Cazuza: quando fala sobre a caridade de quem me detesta, ele se refere à hipocrisia de pessoas que não gostam dele, mas agem de forma caridosa devido à sua doença.

Vale lembrar que Cazuza rejeitava a piedade alheia publicamente. Ele chegou a insultar o público durante seu último show, em Recife, por medo de que as pessoas sentissem pena dele.

A tua piscina tá cheia de ratos
Tuas ideias não correspondem aos fatos
O tempo não para

Em entrevista de 1989, Cazuza diz que há uma mensagem de esperança nessa estrofe: a de que o tempo iria vencer.

A piscina, um símbolo associado à riqueza e ostentação de poderosos e corruptos, ficaria cheia de ratos.

Charge Ratos em Brasília / Créditos: Divulgação

Ou seja, o lado podre da elite política brasileira viria à tona e seria combatida, dando lugar a algo novo e melhor.

Eu vejo o futuro repetir o passado
Eu vejo um museu de grandes novidades
O tempo não para
Não pára, não, não para

Reforçando a ideia de que a passagem do tempo é inevitável (e desejável), o autor nos lembra de que a história sempre acaba se repetindo, em versos que hoje podem ser considerados até proféticos.

Esta é a ideia presente no museu de grandes novidades: aquilo que surge como uma promessa de novidade, mas que não passa de uma releitura de algo velho.

Eu não tenho data pra comemorar
Às vezes os meus dias são de par em par
Procurando agulha num palheiro

Retomando o assunto inicial, a letra volta a se concentrar nos sentimentos íntimos do autor.

Aqui, a revolta dá lugar à apatia e ao tédio: sofrendo de uma doença debilitante e em meio a um momento conturbado do país, ele sente que não há nada para comemorar e passa seus dias procurando uma solução que parece impossível se encontrar, como uma agulha num palheiro.

Nas noites de frio é melhor nem nascer
Nas de calor, se escolhe: É matar ou morrer
E assim nos tornamos brasileiros

Seja nas noites de frio, em que o sentimento de desesperança se torna mais forte, ou nas noites de calor, quando pode haver algum sopro de motivação, o resultado é o mesmo: batalha e sofrimento.

É da luta cotidiana contra as dificuldades que o povo brasileiro é feito.

Te chamam de ladrão, de bicha, maconheiro
Transformam o país inteiro num puteiro
Pois assim se ganha mais dinheiro

Em versos fortes e diretos, Cazuza expõe as ofensas que são dirigidas a quem apresenta comportamento fora dos padrões.

Especialmente os integrantes da classe artística brasileira, sempre muito crítica ao regime militar e ao governo Sarney.

Protesto ditadura
Artistas em protesto contra a ditadura militar / Créditos: Divulgação

Ele ainda deixa explícito que, enquanto sofre acusações, o país vai sendo explorado e vendido para satisfazer a ganância dos poderosos.

A tua piscina tá cheia de ratos
Tuas ideias não correspondem aos fatos
O tempo não para

Vale mencionar que algumas pessoas relacionam o verso a tua piscina tá cheia de ratos a uma situação que teria acontecido com o cantor.

Ele teria sido discriminado e impedido de utilizar uma piscina pública após ter assumido publicamente que tinha AIDS.

Eu vejo o futuro repetir o passado
Eu vejo um museu de grandes novidades
O tempo não para
Não pára, não, não para

A canção pode ser vista como uma resposta de Cazuza às críticas que sofria por seu modo de vida e também ao conservadorismo brasileiro da época em que viveu.

No fim, a mensagem que fica é que, cedo ou tarde, a mudança sempre irá chegar. Porque o tempo não para.

Um pouco mais sobre Cazuza

Agenor de Miranda Araújo Neto, o Cazuza, nasceu no Rio de Janeiro em 4 de abril de 1958.

Filho do produtor fonográfico João Araújo e da cantora Lucinha Araújo, cresceu convivendo com grandes artistas da música brasileira.

Cazuza e a mãe, Lucinha Araújo
Cazuza e a mãe, Lucinha Araújo / Créditos: Divulgação

Alcançou a fama no início dos anos 80 como vocalista e letrista do Barão Vermelho.

Em 1985, iniciou sua carreira solo, lançando o aclamado álbum Exagerado. Músicas como Codinome Beija-Flor e Exagerado colocaram o cantor no topo das paradas.

Considerado um dos maiores ídolos do rock brasileiro e ícone de sua geração, teve a carreira encurtada ao descobrir ser soropositivo em 1987. Mesmo doente, Cazuza não deixou de gravar e fazer shows.

Assumiu publicamente sua doença em 1989. No entanto, perdeu a batalha contra a AIDS e veio a falecer em 7 de julho de 1990, aos 32 anos. 💔

A história de Cazuza

Agora que você leu a análise da música O Tempo Não Pára, que tal fazer uma viagem musical pela história do Cazuza? Aumente o volume e aproveite!

História de Cazuza

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